Esse post faz parte de uma sequência de metodologias que utilizo para criar melhores relações. Inscreva-se gratuitamente na Missão Amuta que começa dia 24/08/20 aqui para saber mais.
“Quando você ama, você escuta, e aí você escuta mais e mais” Trecho do livro Time to Think da Nancy Kline
Conheci o Thinking Environment no início de 2017, em uma conversa com a Bárbara Oliveira, minha prima recém descoberta, que se tornou uma referência importante na minha mudança de carreira de publicitária para facilitadora e consultora que havia começado oficialmente há menos de 1 ano.
Em meio a uma infinidade de cursos e formações para profissionais que como eu queriam se tornar melhores em conduzir grupos e facilitar conversas, ela me indicou o Thinking Environment com uma frase simples e poderosa:
“Eu me tornei um ser humano melhor depois que conheci o Thinking Environment.” Bárbara
Ela não precisaria falar mais nada para que eu escolhesse então entrar no caminho do Thinking Environment, e priorizar essa formação naquele momento. E foi o que eu fiz. (A Munzner é a principal disseminadora da metodologia no Brasil, e sempre tem formações oferecidas por eles por aqui)
O Thinking Environment é aplicado para promover interações humanas de qualidade em organizações e instituições, sejam elas empresas privadas, escolas, ONG’s ou governos. Sua aplicação mais comum é em reuniões, mas também é utilizado frequentemente em apresentações, entrevistas, resolução de conflitos, processos de coaching e é claro, em interações pessoais.
Eu já usei em startups como Waze e Airbnb, empresas mais tradicionais como MDS e Cyrela, e também com adolescentes de uma periferia de São Paulo. É frequente escutar de pessoas dos grupos que conduzo um depoimento similar ao da Bárbara. Às vezes basta uma prática de 5 minutos para cair a ficha de como podemos realmente enxergar as pessoas, e de como esse olhar atento é o suficiente para nos conectarmos uns com os outros, e desbloquearmos potenciais adormecidos.
Como o Thinking Environment nos torna melhores seres humanos?
Para mim foi especialmente tocante quando gravei uma entrevista com a minha instrutora, Trisha Lord, sobre a relação entre Thinking Environment e amor. (vídeo completo no final do post)
“Com o Thinking Environment, criamos um ambiente em que o outro pode mover adiante em suas próprias ideias, desafiar suas crenças, e caminhar melhor para uma relação consigo mesmo, graças a qualidade da nossa atenção e do modo como as tratamos. (…) Humberto Maturana define amor como permitir o outro a ser um legítimo outro. Quando amamos as pessoas, e quando amamos a nós mesmos, permitimos que eles, e nós, sejamos legítimos. Não pedimos para eles serem iguais a nós, que pensem como nós ou que concordem conosco para considerarmos eles como genuínos ou para valer a pena ouvi-los. Aprendemos a ouvir de modo a permitir que ele seja um legítimo outro. E Maturana vai mais adiante em dizer que essa emoção, o amor, definido dessa forma, é a única emoção que expande a inteligência. Então quando nós ouvimos dessa forma permitimos que cada ser humano expanda sua própria inteligência e se torne mais e mais próximos de si mesmos como seres legítimos permitindo que eles avancem em suas vidas e ajam de forma que expanda sua inteligência, e de certa forma expande também o amor.” Trisha
Nesse post reuni meios práticos de aplicar o Thinking Environment, mas o mais interessante é quando a gente aprende não só a aplicar, mas a ser um Thinking Environment, ou seja, quando conseguimos nos apropriar dos seus componentes de tal forma que somos capazes de criar esses ambientes capazes de olhar e potencializar seres humanos mesmo na ausência de técnicas específicas.
Nem sempre é fácil mensurar os ganhos diretos de melhores relações para os parâmetros observáveis em organizações. Mas o Thinking Environment tem um processo consistente de pesquisas para avaliar ganhos em performance através da sua aplicação. Por exemplo, uma agência governamental de alto nível economizou 62% do tempo de gerência sênior em seis meses estruturando suas reuniões da Equipe de Liderança Sênior com o Thinking Environment, e outra avalia uma melhoria em 20% em todo o negócio: “Você pode pegar qualquer tipo de medição se você olhar para ele de um ponto de vista de serviço ou de vendas irá perceber que tudo agora é feito cerca de 20% melhor”. Essas e outras pesquisas podem ser encontradas no site Time to Think.
O que é Thinking Environment?
O Thinking Environment, usualmente traduzido como Ambiente para Pensar ou Ambiente de Pensamento, pode ser entendido como uma metodologia, mas também é para mim uma forma de ver o mundo. Essa abordagem nasceu após mais de vinte anos de pesquisa e observação em ambientes onde havia qualidade nas relações. Nancy Kline, criadora do Thinking Environment, descobriu em suas observações alguns fatos que hoje são entendidos como “pressupostos do método”.
Os quatro principais pressupostos são:
A qualidade de tudo que fazemos como seres humanos depende da qualidade do pensamento que temos antes.
A qualidade do nosso pensamento depende de como estamos sendo tratados pelas pessoas ao nosso redor.
A mente que formula a questão ou problema também tem a solução.
Saber que não será interrompido liberta você para pensar verdadeiramente por si mesmo.
Partindo desses pressupostos, Nancy Kline e seus associados entenderam que essa observação indicava uma completa mudança no nosso comportamento, uma vez que nosso papel deixa de ser o de dar direcionamentos, opiniões, instruções e inteligentes colocações, e passa a ser o de ajudar as pessoas a pensar por conta própria. Suas pesquisas demonstraram que o comportamento de quem escuta se mostrou um fator mais importante que QI, educação ou qualquer experiência prévia do pensador na sua capacidade de pensar com qualidade.
Para ajudar as pessoas a pensar por conta própria, eles descobriram que podemos criar ambientes propícios ao pensamento, ambientes esses onde há grande qualidade das relações. Para criar e sustentar esse ambiente, eles descobriram 10 componentes que funcionam como uma força criativa, geram bons pensamentos, criam confiança, dignificam e ajudam a trazer a versão mais autêntica das pessoas presentes.
Os 10 componentes são:
Atenção: vem do interesse genuíno no fato de que a pessoa está pensando, e consequentemente pressupõe a não interrupção. A atenção generativa faz o pensamento ir mais longe. É um paradoxo — você não importa, porque não importa o que você vai dizer, e ao mesmo tempo importa muito porque sua atenção condiciona a qualidade do pensamento.
Igualdade: tratar todos como pares oferecendo tempos de fala e atenção equivalentes para todos que participam da conversa, cuidando para manter acordos e limites. Todos têm algo a contribuir, e a igualdade evita que o pensamento de alguns seja negligenciado.
Leveza: Libertar-se de pressa e urgência interna para oferecer tranquilidade para pensar.
Apreciação: oferecer reconhecimento genuíno em relação a outra pessoa ou a situações, reduzindo o criticismo e adotando uma lente positiva. Estudos apontam que apreciação possibilita melhor fluxo sanguíneo no cérebro, regula o batimento cardíaco e libera ocitocina.
Encorajamento: oferecer coragem para que o outro ouse pensar grande e ir na vanguarda nas suas próprias ideias. “Não importa se você já sabe o que o outro vai dizer, importa o que acontece com ele quando diz.”
Informação: saber todos os fatos que precisamos saber para pensar sobre algo, e também eliminar a negação e olhar para aquilo que está ali mas não queremos olhar.
Sentimentos: permitir liberação emocional restaura os pensamentos. “Chorar te deixa mais esperto”
Diversidade: acolher e celebrar pensamentos divergentes e diferentes identidades de grupo. Criar ambientes em que é possível ter opiniões diferentes, desistir de convencer o outro a pensar como nós e assumir o papel de ajudar o outro a revelar sua verdade.
Perguntas incisivas: boas perguntas eliminam crenças que limitam a capacidade de pensar por conta própria de forma clara e criativa, além de iluminar questões que não estavam sendo vistas e que estão atrapalhando a pensar com clareza e criatividade.
Lugar: criar um ambiente físico que diz para as pessoas que elas são importantes. Gosto de ressaltar que o primeiro ambiente é nosso próprio corpo, então nossa alimentação, a prática de exercícios, respiração e sono, interferem diretamente na capacidade de bons pensamentos. (no próximo post vou falar sobre o Heart Math Institute e a importância da respiração para mudança fisiológica que nos permite pensar melhor)
Cada componente individualmente já se mostra capaz de melhorar a qualidade das relações e do pensamento das pessoas, mas em conjunto eles são capazes de alcançar o mais alto potencial de pensamento e conexão humana. A boa notícia é que um componente puxa o outro, e Nancy Kline e seus associados desenvolveram quatro “blocos de construção” para nos ajudar a utilizá-los. Os blocos de construção são estruturas para aplicar em duplas ou grupos que naturalmente sustentam os componentes descritos.
Os 4 blocos de construção são:
Usados em grupos: rodadas e discussões abertas
Usados em duplas: duplas de pensamento e diálogo para duplas.
Blocos de construção do Thinking Environment:
1. RODADA:
É uma maneira rápida e produtiva de escutar todas as pessoas em um ambiente sem interrupções seguindo uma ordem de fala e algumas regras pré-estabelecidas.
É capaz de trazer o pensamento mais fresco, estimula que o pensamento das pessoas vá adiante, e aumenta a natureza generativa do pensamento em grupo produzindo assim melhores ideias em menos tempo.
Uma rodada é conduzida com uma pergunta feita em roda, na qual o facilitador deixa aberto para que o voluntário que se sentir mais preparado comece a falar. O facilitador então determina uma direção da rodada (esquerda ou direita), e possibilita que quem não estiver preparado pode pular sua vez e terá direito a falar novamente quando a rodada acabar. Os participantes são instruídos a manter a atenção na pessoa falando, e não em suas respostas, a trazer o pensamento mais fresco, a não interromper e ninguém fala enquanto todos não tiverem tido seu direito de fala.
Como usar? Em todo encontro que eu faço com grupos aplico ao menos uma rodada para colher os pensamentos de todos sobre o tema em questão. Aplicar uma rodada em um encontro de natureza pessoal é mais difícil, mas curiosamente utilizei em um natal com um grupo de amigas. Por nos vermos com pouca frequência, temos a tendência de nos atropelarmos e dificilmente conseguimos finalizar assuntos. Nesse dia, cada uma tinha 3 minutos para contar sobre o seu ano que passou, e assim conseguimos descobrir coisas sobre nós mesmas que não sabíamos, nos emocionamos, nos conectamos em níveis profundos, e foi o suficiente para elevar a conexão pelo resto da noite.
2. DISCUSSÃO ABERTA
É uma forma de criar um diálogo e uma troca aberta em um grupo, sem que haja uma ordem particular, mas mantendo o compromisso de ser sucinto e não interromper.
Discussões abertas usualmente perdem qualidade quando 30% do grupo começa a dominar a conversa. Nesse momento, o facilitador (ou qualquer um) pode solicitar uma nova rodada.
Uma discussão aberta é conduzida com uma pergunta feita em roda, na qual o facilitador deixa aberto para qualquer um falar, sem que que haja uma ordem pré-definida. Ninguém deve ser interrompido e em troca de saber que não será interrompido, a pessoa que está falando deve se comprometer a ser sucinta. Ninguém pode levantar as mãos porque essa também é uma forma de interrupção.
Discussões abertas funcionam melhor depois de rodadas, e quando alternadas com momentos mais estruturados de conversa.
Como usar? Depois de colher a opinião de todos em uma rodada, costumo perceber para onde a conversa está apontando, quais os pontos em aberto, e qual seria o próximo movimento para evoluir a conversa. Nesses momentos faço uma pergunta, e peço para que o grupo se manifeste de forma aberta, mas sustentando os princípios do Thinking Environment. Observo que tendo praticado uma conversa mais estruturada antes, eles tendem a ficar mais respeitosos uns com os outros, e a sustentar esse ambiente de pensamento.
3. DUPLA DE PENSAMENTO
É uma maneira de duas pessoas pensarem por conta própria, sobre tópicos de seu próprio interesse, em um tempo pré definido.
Pode ser aplicado em ambientes profissionais, ou quando ambos vão pensar no mesmo tópico. Mas, funciona melhor quando o tópico não é compartilhado pela dupla em questão, uma vez que ajuda a manter o foco na escuta.
Em grupos que não estão acostumados, costumo aplicar duplas de 5 minutos, mas existem duplas de pensamento de tempos variados, chegando até a 50 minutos.
A regra é simples e ao mesmo tempo difícil de seguir: não se deve falar, perguntar ou comentar nada enquanto o outro estiver pensando/falando.
Não basta não interromper verbalmente, é importante não interromper mentalmente e focar a mente no que o outro diz. Costumo dizer que é como meditação. Teremos pensamentos, mas gentilmente vamos pedir que eles dêem licença pois naquele momento nosso foco é no pensamento no outro.
Quando estamos genuinamente interessados no pensamento do outro, não vamos sentir vontade de interromper. Por isso também comparo essa prática a assistir um seriado, em que estamos realmente curiosos com o próximo episódio.
Mesmo após a finalização da prática, a dupla não deve conversar mais sobre aquele tópico. Isso ajuda o ouvinte a se concentrar em escutar, e a respeitar o pensamento independente de quem fala.
Em dupla, comece com uma pergunta aberta: “Sobre o que você gostaria de pensar e quais são os seus pensamentos?” Caso o pensador pare de falar, faça uma pergunta para energizar seu pensamento: “O que mais você pensa, ou sente, sobre isso?” As perguntas devem ser feitas com interesse genuíno e intenção.
Ao final, troque uma apreciação sucinta, sincera e específica
Como usar? Gosto de usar em workshops e treinamentos como uma forma de criar uma experiência de escuta totalmente diferente da nossa habitual, e com contornos que ajudam os participantes a compreender o poder da atenção, e também seus desafios. Também utilizo em processos criativos, especialmente para criar soluções para questões complexas, que os grupos se sentem “empacados”. Pessoalmente eu utilizo com frequência, e vejo que ao solicitar alguém para só me escutar por 5 minutos, consigo obter insights e desbloquear meus pensamentos. E também ofereço frequentemente essa escuta a amigos quando percebo que há uma necessidade grande de fala.
4. DIÁLOGO
É uma maneira de duas pessoas pensarem por conta própria e trocarem ideias sobre um tópico coletivo em falas curtas e muitas trocas. Um bom diálogo pode ser descrito como uma dupla de pensamento em cima do mesmo tópico com falas curtas e muitas trocas.
A etimologia da palavra diálogo nos revela sua potência: Dia é a linha que atravessa o círculo, e logos é significado. Diálogo, é então quando os significados nos atravessam por inteiro. Isso nos libera da necessidade de convencer, ou chegar a uma conclusão e nos libera para verdadeiramente trocar com o outro.
No Thinking Environment entendemos que diálogo é quando no lugar de duas pessoas falando, temos duas pessoas pensando.
O pensador é responsável por parar sua fala para que o ouvinte tenha sua vez. Pode ser feito com a pergunta “E você? O que pensa sobre isso?” Um não deve interromper o outro, e sim esperar o convite para falar. Por isso, para o diálogo funcionar, a pessoa que escuta deve manter a qualidade na sua atenção e a pessoa que pensa/fala deve manter a igualdade e se comprometer a ser conciso.
Um diálogo produtivo dura em torno de 15 minutos
Como usar? Em muitos trabalhos que realizo com grupos, acho produtivo dividi-los em duplas para dialogar, antes de entrar conversas com mais pessoas, nas quais o grupo costuma buscar a convergência e não a exploração livre de ideias. Também utilizo muito o diálogo com meu namorado, e com pessoas com mais conhecimento em práticas de conversa, que tem mais facilidade em não interromper.
Nesse post entrei em detalhes sobre como aplicar o Thinking Environment. Use ele como um guia: leia, releia, pratique, e compartilhe comigo suas dúvidas, dificuldades, e insights obtidos com sua aplicação. E lembre-se: “quando você ama, você escuta”.
PS: Meu sonho é ajudar a criar e disseminar caminhos para liberar a violência das relações, e destravar a potência de reais conexões. Vamos juntas? Se curtir bata 10 palminhas, comente, contribua com sua opinião e faça parte da conversa.
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